Eu costumo manter o número de jogos e horas de jogatina organizadas e anotadas em uma planilha e, no final do ano, vasculho um pouco essas informações para ver se são compatíveis com a minha desconfiança. Esse ano eu tive uma surpresa.
Dead Cells foi o jogo com o maior número de horas jogadas de 2024 (e estou falando de um ano que peguei para zerar jogos bem longos, como Yakuza: Like a Dragon, Persona 3 Reload, Final Fantasy 13 e Shadow of War) ... e o mais incrível é que eu não vi essas horas passarem.
Como um bom roguelike deve ser (tá mais para um roguevania, se esse termo existir) temos regras simples e rápidas em Dead Cells: você controla um personagem por uma sequência de masmorras, esquiva, bloqueia, enfrenta chefões desafiadores, morre, volta para o começo mais forte e experiente, repete a sequência até dominar o jogo e chegar ao seu final. Essa repetição constante, típica do gênero, afasta muitos jogadores, mas creio que aqueles que não deram chance ao estilo ainda não conseguiram compreender o quanto a frustração de recomeçar a run desde o início é recompensada pelo ritmo frenético e viciante que os roguelikes proporcionam.
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O ritmo do jogo é frenético. Corra, role, mergulhe pra baixo, exploda inimigos, sem precisar olhar pra trás! |
Assim eu me vi engajado numa centena de horas controlando um personagem sem cabeça por masmorras lotadas de inimigos, aderindo ao milagre da memória muscular para evitar ser abatido a cada nova run e, em meio a isso, não sinto que passei tanto tempo assim na jogatina... isto é um acerto e tanto!
Em Dead Cells você assume o papel de um cadáver sem nome e sem cabeça e, por isso, incapaz de falar (não que isso o torne menos comunicativo) que corre pelos caminhos de uma ilha destruída por uma praga em busca de seu lugar mais alto, o Castelo do Pico Alto, onde ele descobrirá os mistérios sobre a peste que assola a região.
Você é basicamente um globo de energia alquímica que se apossa de um cadáver qualquer no início da jogatina, apanha sua primeira e miserável arma e o jogo já lhe mete num frenesi de combate desenfreado já nos primeiros minutos e tão rápido quanto pode! No meio do caminho você se depara com os restos de uma cidade destruída, entregue à morte rogada pelo elemento mais curioso do jogo: “A Peste”.
Dead Cells possui as características de um soulslike, não somente na questão da dificuldade, mas também ao jogar você num mundo sem respostas que só irão ser respondidas caso o jogador curioso procure por trechos espalhados e escondidos pelos mapas da ruína (e ainda assim este vai se ver juntando pedaços desse quebra-cabeça de acontecimentos para, enfim, entender o que se passa).
O importante aqui é aprender. Você vai passar por masmorras, aprender a se esquivar e contra-atacar inimigos, vai morrer inúmeras vezes e vai retornar não só mais forte, mas, muito mais importante: experiente. Comparando Dead Cells a outros roguelikes que joguei, o fator experiência aqui tem uma participação ainda mais crucial, porém, não se preocupe, você não vai precisar estudar muito tempo aqui, nem fazer qualquer anotação, você simplesmente absorverá uma mecânica tão intuitiva e funcional, que irá se sentir familiar ao jogo muito repentinamente. Tudo em Dead Cells acontece de forma impressionantemente fluida e ele te instiga a jogar cada vez mais rápido.
O sistema de evolução do jogo é baseado na captura de células, adquiridas ao derrotar inimigos (os chefões, obviamente, concedem uma quantidade maior de células) e ainda há a opção de alcançar a saída da masmorra em tempo recorde para ter acesso a uma porta destrancada e aumentar sua coleção. As células são trocadas por aprimoramentos ou pela chance de começar ou encontrar armas específicas espalhadas pelas masmorras. Logo, em algum momento, sua espada inicial, por exemplo, não será a mais fraca do jogo, basta pagar por essa opção.
Uma coisa que me pegou neste jogo é seu humor. Apesar de seu personagem ser incapaz de falar, ele responde seus inimigos de forma incisiva, com expressivos balançar de cabeças, joinhas e dar de ombros. Essa personalidade acaba lembrando muito os trejeitos do Deadpool. Muitos trechos são acompanhados por piadinhas ácidas sobre o mundo estar em ruínas e existe até easter eggs e referências a outros grandes jogos indies. É possível, por exemplo, usar a pá de Shovel Knight, o ferrão de Hollow Knight, as espadas de Blasphemous, ou mesmo se deparar com um quadro de Alucard do Symphony of the Night no meio de um castelo.
Talvez o maior êxito de Dead Cells é o seu confiável fator replay. A vontade de continuar a jogar sem se importar com a última derrota é uma especialidade do gênero de roguelikes, mas Dead Cells parece ir um passo mais adiante ao provocar esse sentimento... tanto que eu não vi as horas passando enquanto o jogava.
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Diversos itens espalhados pelo cenário compõem sua build. Você com certeza se adaptará melhor a uns do que outros. As DLCs adicionam mais cenários e opções de arma e caminhos. |
Nota pessoal: 9/10
Duração: 14h ou mais, MUITO mais.
% Repeteco: 99%
% Recomendação: 90%
Originalidade: rara
Público: que curte desafios e roguelikes; quem gosta de jogos rápidos e
frenéticos; quem tem pouco tempo disponível pra jogar (uma run tende a
satisfazer a jogatina);