Yakuza: Like a Dragon

 


Perceberam como a SEGA deu uma ressuscitada?

A empresa responsável pelo Megadrive e a principal disputa da quarta geração de videogames (Megadrive x Super Nintendo) sofreu um baque tremendo após o fracasso de seu último console: o Dreamcast. A SEGA desistiu da criação de consoles e passou a focar apenas em jogos e, desde então, por muito tempo não ouviríamos falar de um lançamento realmente de peso da empresa... isso mudou de uns tempos para cá...

Sonic retornou aos palcos apegando-se tanto ao antigo estilo de jogo arcade (Sonic Mania), quanto em produções AAA do mascote (Sonic X Shadows Generations) e até nos entregando três sucessos consecutivos no cinema (e uma série bacana do Knuckles), mas é claro, a Sega não se resume apenas ao ouriço. Longe disso!

Lá em 2013 a empresa começava sua aquisição do quase finado estúdio da Atlus e com isso uma reviravolta estonteante e quase milagrosa (!) ocorreu: o estúdio não somente alcançou sucesso com o lançamento do clássico Shin Megami Tensei, mas também furou a bolha do mundo dos games ressuscitando o gênero de RPG japonês por turno (notou a quantidade de RPGs de turno que está sendo lançada ultimamente? É uma quantidade tão vasta que mal dá para acreditar que esse gênero quase desapareceu um dia). Sim, eu estou falando de Persona 5, aquele que quebrou a maldição do JRPG e foi indicado ao melhor jogo do ano em 2017 (mesmo para os jogadores mais leais do gênero foi uma grande e fortuita surpresa). Persona 5 (e posteriormente o Persona 3 Reload e o aclamadíssimo Metaphor Refantazio) merecem um culto à parte em próximas postagens, pois, por incrível que pareça, esta análise vai se debruçar em OUTRO grande sucesso atual da Sega.

Um tiro no escuro, uma ideia de jirico, uma proposta inconsequente de transformar uma série de ação hack’n Slash que já possui 7 títulos em... um jogo de RPG por turno!!! Isto é Yakuza: Like a dragon. E deu MUITO certo!

Neste jogo controlamos Ichiban Kasuga, um agente nada de especial da Yakuza, extremamente leal ao seu senhor e tão ingênuo e de coração puro que é justamente o escolhido para ser considerado culpado numa trama política e corrupta envolvendo a facção e ainda se dispõe satisfeito com os resultados: ser preso por 18 anos por um crime que ele não cometeu para acobertar seu clã.

O jogo possui uma curta introdução jogável, seguida de uma possivelmente maçante (depende do jogador) e longuíssima cinemática (sério, é praticamente assistir um episódio de uma série contemporânea, então prepare-se e vá ao jogo disposto a isso) para então começar o jogo de fato com Ichiban mais velho, saindo da prisão com uma vasta e despenteada cabeleira, esperando pela gratidão da Yakuza... mas isso não é exatamente o que acontece (no spoilers!).

Diante de tanta cretinice era de se esperar que Ichiban se tornasse o inimigo declarado nº 1 de seu clã na Yakuza, certo? ... porém, é aqui onde o personagem declara seu atestado de teimosia e continua sendo fiel à causa de seu clã, preferindo acreditar que algo muito maior e fora de seu controle está ocorrendo com a organização e mantendo uma lealdade cega que a princípio parece exagerada e inconsequente, mas que depois se torna o ponto mais importante e mais curioso do jogo, chegando ao transtorno do jogador de Yakuza: Like a Dragon rezar para que Ichiban esteja certo em suas convicções.

Ichiban Kasuga é um dos protagonistas mais interessantes e inesquecíveis que eu já conheci.
 
Atrás de um personagem um pouco lerdo, hilário e nada capacitado, esconde-se a maestria da história de Yakuza: Like a Dragon. Dificilmente você vai encontrar um personagem como Ichiban Kasuga no mundo dos videogames. Ele não tem estilo, é uma mula teimosa, meio velho e tão sonhador quanto uma criança (!), mas devo confessar que ele se tornou um dos meus personagens favoritos de todos os tempos. O grau de empatia que Ichiban tem para com as pessoas torna esse personagem estranhamente... inesquecível (!) e o final dessa jornada alenta tanto o jogador que duvido alguém ao menos não marejar os olhos de tanta emoção.

Um ode aos jogadores que resistiram à tempo difíceis junto à Dragon Quest

Ichiban junto aos seus amigos atípicos (um mendigo e um policial aposentado) saem para dar um rolê no distrito de Kamurocho, quando estes se deparam com uma cena esquisita: um taco de baseball enterrado no concreto no meio da cidade. Todos parecem ignorar a existência daquilo, porém, figura sonhadora como Ichiban é, ele simplesmente aposta que consegue tirar o instrumento do chão como o Rei Arthur conseguiu arrancar a Excalibur da pedra e ali, diante de uma cena de animação exagerada como só os japoneses são capazes de idealizar, ele arranca a arma do jogo.

Estamos numa época de alta para RPGs de turno. Eles mudaram bastante. Yakuza: Like a Dragon consegue manter um ritmo e velocidade que surpreende e, provavelmente, vai te tirar ao menos um pouco do preconceito com jogos do estilo.

A mente do protagonista é um poço de imaginação e criatividade. Ser herói é um de seus principais sonhos, por isso, motivado por uma gama de jogos eletrônicos muito conhecida e cultuada pelos japoneses: a série Dragon Quest (daí vem o nome Yakuza: Like a Dragon, “tipo um dragão” ou mais poeticamente falando Yakuza: “no estilo de Dragon Quest”, ou seja, RPG de turno, como o clássico citado é), Ichiban Kasuga encara a vida como uma jornada fantástica de videogame, onde deve enfrentar inimigos e ficar mais forte para estar preparado para o desafio final.

Assim, a mente do nosso protagonista governa o jogo e transforma simples bandidos e malfeitores (os encontros aleatórios do jogo) em assassinos da sombra, guerreiros armadurados, ladinos velozes e também, não podemos esquecer dos palhaços sopradores de fogo, malabaristas de armas letais, cirurgiões malucos, gente gripada, mendigos fantasiados de lata de lixo e... tarados dispostos a passar protetor solar em você (!).

Risadas inevitáveis

Você tem muito o que fazer em Kamurocho e, provavelmente, vai querer fazer, seja pelo grind que fará seus personagens mais fortes ou pela curiosidade de testar os limites da loucura que acerca esse jogo. Sério, as sidequests de Yakuza: Like a Dragon são uma das melhores coisas desse jogo, cada uma delas quebra o sentido da lógica e transforma o distrito de Kamurocho em um lugar de acontecimentos únicos e hilários.

Você pode se inscrever e participar de corridas de kart, salvar uma lagosta de ser devorada por um mendigo, resistir à terrível missão de manter-se acordado numa sala de cinema enquanto um filme muito ruim passa, cantar num karaokê músicas que grudam na cabeça (por favor, ouvir “The future I dreamed of” que até clipe tem no jogo e você a acompanha como jogando uma partida de Guitar Hero), ter uma noitada das boas em um clube social com acompanhantes pagas, escoltar um desconhecido pelado pelas ruas do distrito, investir na bolsa de valores, ajudar um sadomasoquista experiente a voltar a sentir dor, fazer um supletivo, colecionar insetos raros e se intrometer pra valer na vida pessoal de seus companheiros!

Isso mesmo que você está vendo. Seu grupo está lutando contra homens vestidos de bebês e até que esses caras são bacanas...
 

Essas sidequests complementam o jogo perfeitamente e tornam a experiência única e inesquecível (eu sorrio bestamente alegre enquanto recordo de algumas sidequests que para mim se tornaram icônicas). Realizar as missões secundárias acaba sendo parcialmente obrigatório, já que é através destas que você sentirá a real satisfação de grindar em Yakuza: Like a dragon.

Uma das melhores sidequests. Japoneses levam karaokê muito a sério.
 

Seria um spin off da série original Yakuza?

Se foi pensado para ser meramente um spin off da série Yakuza, devo confirmar que esse pensamento já não é mais a realidade (Yakuza: Like a Dragon já recebeu uma continuação que, infelizmente, ainda não pude jogar, nomeada de Yakuza: Infinite Health, e eu só estou presumindo, pelo estilo do jogo, que haverá muitas piadas de velhice e dor nas costas para satirizar o subtítulo “saúde infinita”).

O protagonista da série original de Yakuza, Kazuma Kiryu, o lendário “dragão de Dojima” dá as caras em Like a Dragon proporcionando uma das lutas e cenas mais memoráveis (na mente de Ichiba, Kazuma é literalmente um dragão) e tudo indica que em algum momento essa parceria será permanente.

Um final satisfatório

A união que Ichiban consegue forjar com os mais atípicos heróis e vilões apresentados neste jogo é tocante e a reflexão final do protagonista às portas de zerar o game é emocionante. Este jogo conceitua o que é confiança e lealdade, tornando esses elementos muito mais complexos e dependentes da força de vontade humana. Qual o ponto que diferencia teimosia de determinação?

Mesmo sabendo que os sentimentos para com um jogo são particulares de cada invidivíduo, devo arriscar e afirmar que você, player, não está preparado para o ótimo “drama coreano” que encerra esse capítulo da saga de Ichiban Kasuga. Apenas se deixe levar...

A lagosta. Melhor aliado. Nunca vou te abandonar.

 Nota pessoal: 9/10
Duração: quase 60h +
% Repeteco: 75%
% Recomendação: 90%
Originalidade: incomum
Público: quem gosta de jogo aberto e longo; quem está disposto a uma libertadora experiência com jogos baseados em turno; quem gosta de humor non-sense; quem já gosta de série Yakuza.





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