Poucas experiências me soaram tão diferentes no mundo dos games quanto Pentiment. Eu realmente não sabia o que esperar desse jogo, apenas estava procurando algo realmente diferente e me deparei com a excentricidade de seu design, então, resolvi mergulhar nessa curiosidade. Não me decepcionei.
Pentiment é um game de RPG (questionável dizer isso) ilustrado que se passa na era medieval, Europa do século XVI, uma época de grandes mudanças religiosas e políticas. Seu potencial e foco narrativo é a investigação de um assassinato ocorrido num monastério e, como árbitro desses acontecimentos, suas escolhas vão mudar o destino da história significativamente.
Seu estilo visual 2D, assim como o texto nos diálogos constantes do jogo, lembram desenhos e a escrita de livros seculares, com letras escolásticas (góticas) e capitulares, tudo com a intenção de fazer o jogador imergir no dia a dia da época. O jogo dá uma importância sincera a isso e, tenho por mim, que a maioria dos elementos (se não todos), especialmente aqueles que referenciam passagem do tempo, são fiéis ao que realmente era. A gente organiza no tempo através de um calendário diferenciado com horários rígidos em um relógio canônico.
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Na primeira hora, você trabalha, na sexta você pausa para descansar e comer, na nona volta ao trabalho e nas vésperas (da noite) janta e se prepara para dormir... cedinho. |
O jogo, genialmente, brinca com seu design enquanto dá uma aula de história e explica todos os elementos desconhecidos para o leitor curioso: ao se deparar com um termo de seu desconhecimento, é possível acessar (apenas apertando um botão) um dicionário que explica o que aquela palavra significa, facilitando a imersão no jogo e também colocando o jogador frente a frente com a forma de pensar das pessoas daquela época (muitas vezes influenciada pela religião). Uma cena bastante icônica, para mim, é a de uma freira explicando a importância da religião para seu protagonista, que se passa dentro de um livro gótico, enquanto os personagens caminham pelas páginas posando para os mosaicos que retratam obras de artes reais, existentes em nosso mundo.
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Andreas Maler, seu protagonista |
Na pele de Andreas Maler (boa parte do tempo), um artista e jornalista de Nuremberg, o jogador se envolve numa série de assassinatos que se desdobram após um evento principal numa cidade fictícia chamada Alpina de Tassing. De início, Andreas é um escritor e ilustrador de livros canônicos num monastério e junto a alguns monges, ele eterniza histórias e filosofias na biblioteca do local. A trama acompanha a importância da literatura na época, tanto para manter registro das coisas, quanto para manipular e alcançar riqueza e poder.
Após um assassinato, que ocorre dentro do próprio monastério, Andreas inicia sua investigação afim de alcançar justiça (o motivo desta depende de suas escolhas no jogo) e precisa tirar uma conclusão que será comunicada ao juiz do reino numa data anunciada. A partir daí, o jogador encontra muitas motivações para desconfiar ou culpar indivíduos. Tudo te influencia (!) seja por você ter empatia para com aquele que é designado como culpado, seja por você odiar um indivíduo incomum, seja por você ser contra a religião ou o povo... não importa, a execução será garantida pela sua voz no jogo... e isso tudo trata-se apenas do primeiro capítulo.
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O conflito entre o catolicismo e o paganismo se torna um inevitável problema na cidade de Baveria |
O jogo explora três capítulos e a passagem de tempo entre estes é de décadas, por isso, seu protagonista envelhecerá e as crianças que você conheceu anos atrás se tornarão adultos responsáveis (algumas destas carregarão influência de seus diálogos com elas anos atrás), enquanto personagens muito velhos vão falecer ou vão partir de Tassing (novamente, dependendo de suas escolhas). Em algum momento, a opinião da religião entrará em coalisão com os costumes naturais do povo e você terá que tomar um partido, num jogo que se desdobra num labirinto de opções que entornam a trama principal.
Há também episódios emblemáticos que se passam na cabeça de Andreas e são visualizados pelo jogador através de um labirinto mental cujo centro é moradia da musa do protagonista. Essas cenas são importantes para sentir a mente de Andreas se desconstruir e até traumatizar conforme a idade e maturidade avançam.
O jogo é influenciado por suas decisões e você possui um tipo de ficha de RPG com poucos elementos a escolher, mas que influenciam bastante seu trajeto na narrativa. Essas escolhas são mais abstratas do que numéricas, como, o fato de você ter nascido na França ou Inglaterra, a faculdade de conhecimentos que seu personagem resolveu dedicar a vida (você pode, por exemplo, ser dedicado à palavra de Cristo ou ter um interesse incomum na religião pagã) ou em que local você cursou sua faculdade.
Este jogo exige leitura (o idioma português-brasileiro está disponível em todas as plataformas), extensos diálogos e interações, por isso, alguns jogadores (para não dizer a maioria) não se adaptarão à total falta de ação. Em compensação, aquele que se deixar envolver pela trama, ficará ansioso para entrevistar cada NPC e descobrir, através da narrativa, o quanto ainda pode conhecer sobre nossa história e as influências da religião até nossos tempos contemporâneos (positiva ou negativamente).
Nota pessoal: 8.5/10
Duração: 15h+
% Repeteco: 50%
% Recomendação: 60%
Originalidade: rara
Público: quem curte jogos de investigação; quem não se importa com o
tanto de texto em um jogo; amantes de história medieval; quem procura algo
realmente fora da curva.