A Square Enix é, inevitavelmente, uma das minhas desenvolvedoras prediletas (competindo páreo a páreo com a Atlus, atualmente) embora tenha a infeliz decisão de não traduzir seus jogos para o português do Brasil (com raríssimas exceções, como o Pixel Remaster de Final Fantasy 1-6), esta é a empresa que encheu meu coração de amores à RPG, JRPG e até RPG de mesa (mesmo que indiretamente) tanto por causa da saga Final Fantasy, quanto ao primordial Dragon Quest, berço do gênero.
RPGs em pixel art fizeram parte da minha infância e têm grande influência no meu gosto pessoal. Tamanha foi minha surpresa quando resolveram modernizar o conceito criando o contemporâneo 2D-HD, um design de arte que coloca elementos 2D em ambientes com profundidade e adiciona efeitos que mistura os dois mundos. Daí nasceu a saga Octopath Traveler (assim como uma leva de outros jogos como Live a Live, Triangle Strategy e, mais recentemente, o estourado Dragon Quest Remake).
Em Agosto de 2023, eu dava início ao primeiro jogo da saga (o primeiro jogo com essa arte conceitual que zerei), e me vi preso admirado com a grandiosidade de um game com dezenas de horas onde recrutamos oito personagens em um mundo extenso, com profundidade histórica, cada qual com perícias e capacidades incomuns que, em algum momento iriam se cruzar para um se intrometer na história do outro e, no final, toda a narrativa fechar com uma realização cujo grupo inteiro é vinculado.
Isto é Octopath Traveler, a saga de oito viajantes que mistura uma narrativa perfeita com uma mecânica complexa que, julgo, não ser indicada para jogadores não acostumados aos RPGs por turno por existir com tantos elementos e fatores administrativos que pode gerar alguma desconfiança... embora, para os amantes, seja um jogo fluido, com desafio sob medida e aspectos que tocam bem lá no fundo do coração rpgístico de outrora.
![]() |
A nova composição do nosso grupo de oito viajantes; em ordem, da direita pra esquerda: Hikari, Agnea, Partitio, Osvald, Throné, Temenos, Ochette e Castti. |
Apenas mais de um ano depois que pude (através do Gamepass) experimentar e zerar sua continuação, não direta (são outros personagens, embora carreguem completa similaridade com o jogo anterior em relação às Jobs e mecânica) e me refestelei durante mais de 80 horas de jogo (e muito mais para quem é complecionista).
Octopath Traveler 2 é um jogo com tanto a falar, tantas cenas marcantes e com tantas mecânicas sólidas que o tempo é eficiente em mascarar esses elementos de nossa memória. Eu me recordo de muita coisa do primeiro Octopath Traveler, mas após tanto tempo, nomes e estratégias agora estão vagas no meu consciente. Por isso, resolvi falar de Octopath Traveler 2 tão logo zerei o jogo (nesta mesma semana de final de Janeiro de 2025) para que ainda consiga transmitir o máximo de informação dessa jogatina... e ainda assim falharei.
O jogo se passa em Solistia, numa época que funde a fantasia com a revolução industrial e grandes embarcações navegam por rotas marítimas com a tecnologia do vapor. A narrativa nos apresenta oito indivíduos com histórias e envolvimento com o mundo diferenciados, cada um mais carismático do que o outro. Você inicia o game com um protagonista e enfrenta seu prelúdio para, enfim, estar livre para viajar pelo mundo encontrando os outros sete companheiros.
Uma saga com ordem de escolhas
Na pele de Osvald V. Vanstein (o personagem que escolhi como protagonista), você é um mago dedicado que é incriminado pela morte da própria filha e esposa pelo seu companheiro de estudos, Harvey, que está em busca obsessiva pela única e verdadeira magia. Osvald precisa fugir da prisão que se encontra para investigar o caso em que ele mesmo foi indiciado.
Durante o caminho, encontramos Throné Anguis, uma ladra, membro da guilda dos Black Snakes, que luta para deter os líderes sangrentos desta organização e o envolvimento que ela sempre teve com sua família assassina.
Conhecemos a religião da chama sagrada, principal do mundo e um de seus clérigos mais excêntricos, Temenos Mistral, capaz de questionar até os deuses para descobrir o segredo obscuro escondido pelos fiéis da religião.
Descobrimos a cultura diferente de Ochette, uma caçadora de Toto’haha e passamos a ajudá-la a localizar a Besta das Lendas para que possa auxiliar seu povo.
Nos interessamos pela revolução industrial do mundo de Solistia quando conhecemos Partitio Yellowil, um comerciante que vagueia o mundo em busca não somente de riqueza, mas de contribuir com a tecnologia mundial.
Depois temos conhecimento da influência que os boticários (farmacêuticos) tem nesse mundo com a aparição de Castti Florenz, em busca de sanar uma doença provinda de uma chuva negra aterrorizante, fabricando elixires com elementos naturais encontrados no jogo e ajudando os necessitados.
Viajamos para um oriente distante, em busca da nação de Hikari Ku, um samurai que busca por companheiros espalhados pelo continente afim de derrubar o trono liderado pelo seu meio-irmão Mugen
E, finalmente, sentimos mais conectados com as coisas simples e igualmente importantes desse universo ao se aliar à Agnea Bristarni, uma dançarina que busca seguir os passos de sua mãe e tenta trazer alívio ao mundo através de sua arte.
Avançamos o jogo passando por três capítulos para cada personagem e finalizamos com a reunião de todos para deter algo maior que suas histórias pessoais, um problema que somente os oito e suas afinidades serão capazes de deter. Cada finalização de capítulo tem um desfecho e um gancho que os une com a próxima missão, escalonando de uma forma a surpreender com finais um tanto inesperados.
![]() |
O belíssimo visual 2D-HD da série. |
A mecânica desafiadora
É costume que RPGs por turno possuam mecânicas complexas que o jogador precisa aprender, dominar e se adaptar para lidar com os desafios propostos e, após tantos anos de supremacia do gênero (JRPGs eram primordiais nas décadas de 80 e 90, sendo responsáveis por pérolas influenciadoras como Final Fantasy 7, Chrono Trigger, Grandia, Xenogears ou mesmo Parasite Eve), é incomum encontrar algum jogo desse tipo que não expanda sua mecânica de uma forma que o torne ímpar.
Octopath Traveler 2, portanto, traz influências de outros títulos (como a existência de Jobs), os expande com seus interesses e aplica a mecânica inovadora de “quebrar a defesa” do inimigo para garantir não somente maior quantidade de dano, mas para ganhar tempo e reforçar estratégias.
Cada inimigo possui um número de escudo (localizado aos pés do monstro enfrentado) e uma série de fraquezas que, inicialmente, são ocultas, mas com o desenrolar do jogo passam a ser reveladas através de skills para identificar fraquezas ou do efeito teste e acerto. Cada golpe realizado atingindo uma dessas fraquezas, elimina um número do escudo e, assim que esse valor for zerado, o inimigo fica atordoado (fica uma rodada sem realizar ação) e vulnerável a todos os ataques. Após essa rodada, o escudo regenera e o processo de vulnerabilização começa novamente (em lutas maiores, esse processo de quebrar as defesas deve ser alcançado diversas vezes).
Seu personagem pode optar por realizar uma ação ou uma série de ações caso acumule muito BP (pontos de ação, que são regenerados de um por um a cada rodada de combate). Assim, você pode optar por descarregar todas as suas ações em um golpe só ou resolver economizar para uma hora mais estratégica. Quando seus pontos de BP estão totalmente preenchidos, caso seu personagem possua uma skill lendária, ele poderá conjurar efeitos poderosos sobre o inimigo ou a favor do grupo.
Além dessas mecânicas, ainda existe a barra Gauge, que funciona como um limit breaker de Final Fantasy, que é uma energia que vai se acumulando, batalha por batalha, até garantir um efeito extra, diferente para cada personagem, no combate. Após seu uso, a barra seca e mais combates precisam ser realizados a fim de preenchê-la.
Ao vencer lutas, cada personagem ganha pontos de experiência para evoluir seu nível e influenciar em suas características numéricas (a ficha do personagem) e pontos de profissão (job points) que serão usados para comprar skills específicas de cada classe. Por exemplo, o mago usa esses pontos para aprender uma variedade de poderes elementais e buffs para influenciar suas magias; o clérigo aprende skills de cura e defesa; a assassina aprende a usar skills de combate usando adagas e espadas, como um ataque surpresa, que aumenta o dano quando o inimigo está atordoado; e assim por diante.
Espalhados pelo mundo existem guildas para cada profissão que o jogador pode se associar. Ao fazer isso, o jogo passa a permitir a atribuição de uma classe secundária ao personagem, assim, este passa a ser capaz de usar skills de ambas as profissões, além de distribuir skills passivas que influenciam drasticamente na estratégia do jogo. Você pode, por exemplo, treinar seus personagens em todas as profissões e escolher as skills passivas que valem mais a pena.
Essas skills passivas são as responsáveis pela build de seu personagem e elas podem ser constantemente trocadas para aproveitar a mais diversa situação. Você pode associar cada personagem a quatro dessas skills e seus efeitos vão desde receber mais dinheiro ou mais XP por encontro, aumentar drasticamente um atributo como Força e Acurácia, aumentar a efetividade de magias, iniciar o combate com um BP extra ou com a barra Gauge totalmente preenchida. Você pode alternar essas escolhas a fim de se adaptar aos encontros aleatórios do jogo (permitindo que seus personagens evoluam mais rápido) ou para se tornar mais eficaz contra chefões.
...mas se você acha que acaba por aí, está enganado. Há também um sistema de perícias utilizáveis fora de combate. Cada personagem possui duas, uma utilizada durante o dia e a outra durante a noite. A assassina, por exemplo, é capaz de roubar durante o dia e tombar um NPC à noite (pra que estes liberem caminho); o comerciante é capaz de barganhar com NPCs para ganhar itens de dia e contratar mercenários durante a noite, e assim vai.
Ochette, especificamente, possui um sistema de captura de monstros. É possível vulnerabilizar monstros de encontros aleatórios e capturá-los a fim de usá-los em combate. Isso lhe dá uma certa versatilidade, pois cada monstro ataca com um tipo diferente de arma e ela passa a ter muitas opções de quebrar as defesas do inimigo. Partitio possui pequenas sidequests espalhadas pelo mundo nomeadas “faro para o ouro”, que abrange formas de conseguir dinheiro para o grupo.
Para mim é bastante gratificante estudar essas mecânicas, mas acredito que para os mais descompromissados seja um empecilho. É divertido descobrir novas formas de quebrar o sistema e ver que aquilo foi descoberta da sua cabeça. Por exemplo, o comerciante pode doar BP para o mago realizar desde o início um ataque avassalador capaz de finalizar múltiplos oponentes mesmo na primeira rodada de combate (ideal para um farm rápido) ou a assassina pode herdar a skill passiva do mesmo comerciante que a permite começar com a barra Gauge completa no início da batalha e já ter direito de realizar múltiplos ataques (sua habilidade gauge é ganhar uma ação extra na rodada), ideal para quebrar as defesas de chefões o mais rápido possível.
As profissões secundárias também compartilham as proficiências com armas. Cada profissão possui uma ou duas proficiências; por exemplo, o samurai dá proficiência com espadas e lanças, então, qualquer personagem que você atribua o samurai como profissão secundária, também será proficiente com esse tipo de arma; saber disso é importante, pois garante melhor eficiência em combates, especialmente contra chefões que possuem muitos escudos de vulnerabilidade.
![]() |
As ambientações são diversas. Montanhas geladas, florestas, desertos, vastas planícies e masmorras profundas. |
Considerações finais
Apesar de existir alguns sistemas diferenciados do primeiro jogo (por exemplo, as duas skills narrativas que o jogador consegue alternar entre o dia e a noite), o segundo título de Octopath Traveler traz o mesmo proposto de seu antecessor, variando principalmente na história e personagens (é interessante notar aqui que o jogo propositalmente inverte o estereótipo construído para os personagens do primeiro título).
No veredito final, repetindo alguns citados anteriormente, Octopath Traveler 2 tem um nicho e é provável que seja amado por jogadores desse nicho e descompreendido por jogadores que preferem jogos com mecânicas mais simples e que não deem a sensação de que precisa ler um livro para aprender como jogar. Para os acostumados com JRPG de turno, ele é um prato cheio, inesquecível e uma dose bem-feita de nostalgia para os amantes de RPGs retrô. Eu espero realmente que a Square desenvolva mais títulos dessa série, pois ela tem feito algum sucesso e recebendo a admiração merecida.
Nota pessoal: 9/10
Duração: 60h+
% Repeteco: 50%
% Recomendação: 50%
Originalidade: incomum
Público: jogadores de RPG de turno hardcore; curiosos com o design 2D-HD.