Deixando de lado os RPG estratégicos, acho que plataforma de precisão é o tipo de jogo que mais me deixa imerso. Eu demorei para perceber isso, mas a minha profunda admiração por Hollow Knight e Celeste, a quantidade de jogos do tipo contidos na minha wishlist e o apego que tenho com jogos antigos que se assemelham ao gênero, finalmente me fizeram enxergar que aquele jogo com fluxo de movimentação acelerada e com momentos de corridas desesperadoras pela sobrevivência é algo que me agrada. A duologia Ori tem muitas dessas características e, por isso, desbravei a gameplay dos dois jogos com um prazer incontestável.
Mas Ori é muito mais do que sua gameplay. É uma obra de arte criada a partir de um silêncio cativante que consegue te motivar e contar uma história sem a necessidade de lhe passar um contexto, mas que gradualmente responde suas perguntas de forma genial. Ori impressiona por conseguir oscilar nossas emoções entre a tristeza e a felicidade, o desespero e a calmaria.
Começamos a saga controlando Naru, um ser bucólico de bom coração que encontra e adota Ori, uma criaturinha branca como a luz que se assemelha a um marsupial (e lembra mais do que vagamente o Stitch da Disney). Os dois desenvolvem um laço fraternal e Ori cresce sob a proteção de sua salvadora. Infelizmente, um episódio catastrófico ocorre na floresta em que Naru, Ori e outras centenas de espécies convivem: um tipo de energia destrutiva e desconhecida consome parte da vida do lugar e deixa a outra parte à mercê da extinção.
O tempo passa e infelizmente Naru não resiste a escassez da floresta, o que leva Ori a buscar alguma solução para o fatídico extermínio. Durante a jornada, controlando a pequena criatura recebemos a ajuda de Sein, uma fada (tão minúscula que nos é apresentada apenas como um ponto luminescente) que passa a acompanhar Ori e lhe conta que ele é o único capaz de deter o avanço da corrupção da floresta; também notamos que muito da vida selvagem do local é corrompida pela energia maligna e nosso mais mortal inimigo trata-se de Kuro, uma coruja gigantesca para as proporções de Ori e que tornará nossa missão de resgatar os orbes elementais espalhados pelo mapa uma tarefa bem mais complicada.
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Koru |
Assim, Ori precisa começar sua jornada visitando as variadas regiões da floresta num clássico jogo estilo metroidvania, mas cujo principal desafio é o de se manter vivo tendo que lidar com plataformas, obstáculos, perigos iminentes e a reação da própria floresta corrompida pela energia ao avanço do protagonista. A moeda do jogo são pequenos orbes de luz flutuante que podem ser usados para evoluir Sein e, consequentemente, melhorar a capacidade ofensiva e de movimentação de Ori.
Temos aqui o que se espera de um jogo de plataforma metroidvania: saltos duplos, dash e mecanismos que serve para impulsionar nosso personagem, além de poderes capazes de te fazer flutuar de acordo com a direção dos ventos, atacar os inimigos como se portando uma lâmina mágica e esferas de luz que explodem como fogo de artifício. Começamos apenas com o básico (saltar, escalar, empurra e puxar) e coletamos novos poderes espalhados em árvores luminosas espalhadas pelo extenso mapa da região.
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Ora ambientação vasta, iluminada e colorida... |
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Ora ambientação morta, dizimada e cinzenta. |
O final de Ori and the Blind Forest é emocionante e conseguimos entender até mesmo as motivações de Koru ao desafiar nosso personagem durante toda a jornada (na verdade, o primeiro jogo inteiro trata de contar principalmente a história da nossa vilã). Pode esperar derramar lágrimas, pois o jogo, apesar de aparentar ser infantil e lembrar até mesmo as antigas animações da Disney, ele possui uma mensagem muito bonita ao mesmo tempo que dolorosa, que envolve força de vontade e sacrifício. Sua conclusão é uma das mais gratificantes dentre os jogos do gênero.
Ori and the Will of Wisps é uma continuação a altura, mas com algumas modificações e um grande acréscimo de conteúdo opcional que destrava missões secundárias e permite realizar mais feitos em decorrência de sua exploração. Em ambos os jogos o fator exploração é muito bem planejado, o mapa deste jogo colabora muito com nossa experiência e eu não me lembro de ter me arrependido de explorar nem o mais remoto espaço do mapa. Parece que para onde você vai, sempre há algo para realizar, há sempre uma recompensa no fim do túnel, de modo que dificilmente o jogador se “engancha” em alguma parte por muito tempo. O tempo que se passa para conquistar uma nova habilidade é relativamente curto e o jogador logo deduz e se lembra exatamente que obstáculo agora pode ser vencido com sua nova capacidade. Em resumo: é um metroidvania para quem quer começar a encarar metroidvanias. Escolha certeira.
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Só bater de frente... não rola. |
A história do segundo capítulo é igualmente bem contada através do silencioso enredo igualmente cativante. Desta vez, Ori se dedica a proteger um frágil filhote de coruja (único ovo que chocou da ninhada de Koru) chamado Ku (kkkk) e exatamente quando a criaturinha está aprendendo a voar, a mesma catástrofe do primeiro título ocorre numa ilha vizinha. Ventos avassaladores acabam arrebatando Ori e Ku para o lugar e novamente nosso protagonista deve se arriscar a explorar uma ilha inteira em busca de sua companheira.
Will of Wisps se concentra mais em contar a história da origem de Ori como único sobrevivente de sua espécie. A nova ilha trata-se, na verdade, do berço de seus antepassados extintos e ele se manteve vivo pois no primeiro título do jogo foi arrebatado para a ilha de Naru e protegido por ela. Também acompanhamos a triste história do novo vilão do jogo: O Grito, um tipo de ave deformada que assim como Ku, foi a única sobrevivente de uma ninhada e nasceu sob a proteção dos corpos carbonizados de seus pais. Grito foi rejeitado e ignorado por todas as demais criaturas da floresta pela sua má formação (ele possui asas e bizarros membros inferiores que funcionam como as pernas de um humano) e cresceu semeando um ódio por todos.
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O Grito. Mesmo um vilão que só quer ver o circo pegar fogo, pode ter grandiosíssimas motivações. |
Grito claramente é uma versão adulta traumatizada de Ku, caso este último não tivesse sido acolhido por Ori e seus amigos. O jogo então mostra como a presença da maternidade e de amigos pode influenciar positivamente a vida de um indivíduo e como o preconceito e a marginalidade pode transformar algo inocente em uma existência amarga, vingativa e cheia de ódio. A conclusão da história de Grito talvez seja uma das mais angustiantes, maduras e pouco consoladoras que eu já vi em jogos. A sensação é a de uma inevitável metade da vitória e a incapacidade de mudar o trajeto forjado por um passado indiscutivelmente doloroso.
Para aqueles que desejam dar uma chance à Ori, esse é o tipo de jogo que vale a pena começar pelo primeiro, pois faz todo sentido na hora de absorver a história. Acredito que o impacto na sua experiência por conhecer o prelúdio da história é bem maior e compensador. Ori não é um jogo longo, levando a cerca de oito ou dez horas de jogatina e esse tempo, afirmo pela experiência que tive ao zerar ambos, parece se dissipar enquanto você explora o magnífico mundo cheio de vida e se surpreende com o desenrolar da gameplay fluida, tão leve que o personagem parece escorregar pela transição de telas.
Recomendadíssimo.