Um jogo desconhecido: Trapt (Kagero II: Dark Illusion)

 

                Hoje em dia o acervo de jogos disponíveis por meios legais ou não é enorme e é tão comum achá-los (especialmente se o jogador não tiver a barreira de experimentar games antigos) que fica difícil filtrar que jogos merecem seu tempo e atenção. Eu costumo me desviar de decisões repentinas criando uma lista de jogos que desejo zerar, uma planilha de gerenciamento que, particularmente, acho bastante reconfortante preencher e acompanhar o processo. No início da ideia cheguei a imaginar que tornar organizada a minha jogatina só iria causar frustração, hoje em dia percebo que esse planejamento impulsiona o meu desejo de jogar.

                É natural que essa lista esteja repleta de grandes jogos, de clássicos que influenciaram minha vivência como jogador. Final Fantasy e The Legend of Zelda, por exemplo, são franquias que batem forte no meu coração e o desejo de experimentar (e zerar) todos os títulos é uma realidade. Vou conseguir algum dia? Talvez não, mas seus nomes continuarão na lista.

                Ter essa disponibilidade hoje em dia é bastante gratificante. Nós temos como se aventurar num mar de sugestões ofertadas na internet e garantir a nós mesmos que existe a possibilidade de jogar pelo menos algum jogo que a gente realmente quer... isso era muito diferente antigamente (para o meu caso, nem tão antigamente assim). Quando moleque, dependente dos meus pais, eu tinha um Super Nintendo e alguns cartuchos, uns três talvez, e até que aparecesse a oportunidade de comprar mais um (o que poderia levar um ano todo) os três jogos da minha coleção eram jogados repetidas vezes incessantemente e, por falta de escolha, se um dos jogos disponíveis fosse um Super Star Soccer ou outro jogo de um gênero que não é exatamente o que eu curto, eu jogaria repetidas vezes de qualquer forma.

                Assim permaneci por bastante tempo. Eu adolescente, liso, com um PS2 de segunda mão, dois controles rachados que pertenciam a uma criatura que presumo que os jogava na parede para descontar a frustação de ter perdido alguma fase (nunca pude me dar esse luxo) e uma lista de quatro joguinhos que, com exceção de um, representam a tristeza de um jogador de RPG desesperado por um game com uma história de começo meio e fim. Um PES (Pro Evolution Soccer), Blood Roar 4 (ótimo jogo de luta), algum Need for Speed e o jogo mais imprevisível dessa lista: Trapt, no qual poucos haviam ouvido falar.


 

                Foi inspirador jogar Trapt. Nunca havia experimentado um jogo tão diferente e, esses dias, me veio a lembrança dele junto com uma forte sensação de que eu só o joguei porque era um dos únicos jogos disponíveis da minha lista. Trapt é o tipo de jogo que a maioria dos jogadores olharia para a capa ou se depararia com uma review e, no máximo, falaria um desanimador “interessante” e seguiria com a vida.

                Trapt veio a mim numa época em que eu não tinha acesso a um filtro amplo na escolha de jogos e teimar em jogá-lo foi uma experiência que, a meu ver e analisando agora, foi responsável por uma parcela de interesse na minha experiência gamer: a parcela que curte e dá chances a jogos estranhos com a esperança de se deliciar com alguma novidade.

                   Mas, sigamos para o jogo. Trapt é um game do PS2 que faz parte de uma série de jogos MUITO nichada chamada Deception. Seu nome original é Kagero 2: Dark Illusion (Trapt é o título americano), é uma linha de jogos mais conhecida pelo público japonês e sua primeira versão veio ainda no PS1.

O jogador assume o papel da Princesa Allura, incriminada pela madrasta Catalina pela morte do próprio pai. Allura consegue escapar de sua sentença fugindo para uma floresta e, logo após, se refugiando nas ruínas de uma mansão, onde ela pretende se esconder da vingança de sua família. Na mansão ela encontra Malphas, um demônio que lhe concede o poder de controlar armadilhas sobrenaturais.

 

                Catalina, a madrasta, contrata heróis e mercenários constantemente para dar cabo de Allura e o jogo trata-se das incursões desses inimigos recrutados à mansão de Malphas. Para sobreviver, a princesa deve posicionar armadilhas adequadamente pelo cenário da mansão e fugir, manter-se longe do alcance dos inimigos que ficam cada vez mais perigosos.

                O jogo possui um sistema de compra de novas armadilhas conforme avança e dominar a mecânica de cada uma é essencial para sobreviver. As armadilhas são diversas e manipulá-las, talvez, seja a parte mais empolgante do jogo. Trapt é um game violento. Os invasores da mansão de Malphas são esmagados, mutilados e massacrados por armadilhas que inicialmente não passam de dardos e estrepes, mas até o fim de jogo se tornam prisões incineradoras, serras giratórias ambulantes e invocação de criaturas demoníacas.

                Existem três tipos de armadilha e o que as define é a posição onde estas poderão ser instaladas: parede, teto e chão. O jogador pode levar três armadilhas de cada tipo para cada estágio do jogo, além das armadilhas que certos cenários possuem naturalmente. Nos estágios, Allura se move por escadas, corredores e salões atraindo os inimigos para a região cujo as armadilhas serão disparadas, criando uma espécie de tower defense em visão 3D, uma proposta bastante diferenciada da maioria dos jogos.


                Além de destacar a mecânica do jogo, Trapt também possui um impressionante e ótimo enredo, com uma reviravolta surpreendente envolvendo estratagemas e manipulações da própria família de Allura e da corte do reino de Fronenberg, transformando a sofrida princesa em um peão desavisado das vontades de seres superiores que vale a pena acompanhar.

Trapt é o tipo de jogo que passa despercebido, especialmente pelo público latino-americano, mas que deixa sua sequela na mente daqueles poucos que conseguiram ao menos testá-lo. Vale salientar que Trapt é um jogo difícil, beirando ao hardcore. Definitivamente não é o tipo de jogo para as massas.

Nota pessoal: 7.5/10
Duração: 9h+
% Repeteco: 30%  
% Recomendação: 50%
Originalidade: rara
Público: apreciados de tower defense; quem busca experiências fora da caixinha; quem curte visual dark e gosta de games hardcore.


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