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Compêndio de zerados [Indies] 5 Indies






                O termo indie era incomum (ou inexistente) antes dos anos 2000. Não havia título de distinção entre jogos desenvolvidos por grandes empresas e uma equipe de desenvolvedores alheios. Muito antes, inclusive, os próprios jogos considerados líderes de mercado e de grande produção não possuíam equipes extensas com centenas de desenvolvedores (batia lá seus dez empregados e muitas vezes era o suficiente).

                Jogos da atualidade, desenvolvidos pelas grandes empresas (os afamados triple A) trazem uma complexidade e custo elevadíssimos de tal forma que a própria indústria de videogames está se adaptando ao novo tipo de mercado.  Jogos triple A não podem arriscar falhar. É muito dinheiro em jogo e, naturalmente, isso significa que as grandes desenvolvedoras vão tomar um caminho seguro durante a produção de seus jogos, a rota que vai agradar a maioria do público e, através de muito jogo de mercado e propagandas, ela vai incentivar e manipular o público a gostar do que elas têm a oferecer (isto foi uma definição grosseira do que é o hype).

                Tome como exemplo alguns dos últimos grandes sucessos de público dentre os jogos triple A: The Witcher 3, Elden Ring, The Last of Us, The Legend of Zelda: Breath of Wild, Red Dead Redemption 2, God of War, Mass Effect 2, Assassin’s Creed. Todos estes jogos são icônicos exemplos maravilhosos de jogatina, porém, carregam em sua essência o escopo do que nas últimas décadas é declaradamente a forma segura de se lançar um jogo: um personagem em terceira pessoa explorando um mundo aberto ou semi-aberto, com mecânicas parecidas, ora combate corpo a corpo, ora combate à distância e elementos rpgísticos. Aprendemos a admirar esses jogos atualmente, como nas décadas de 1980-1990 era essencial a existência dos muitos jogos de plataforma. Isso sempre existiu. Fazer o estereótipo não desmerece a grandiosidade do jogo, afinal, muitos outros foram criados no mesmo escopo e nem de longe obtiveram tanto êxito.

Assim como as grandes empresas, nós também estamos condicionados a não arriscar novas experiências e somos atraídos para jogos similares a esse escopo e quando algum desses triple A tenta arriscar uma nova mecânica, haverá um exército de jogadores que se dizem apoiadores de inovações, criticando a audácia. Você com certeza já deve ter ouvido falar pelo menos uma dessas sentenças: “o jogo é massa, mas eu odiei o sistema de quebra de armas dele”; “o jogo é bacana, mas eu gostava mais do estilo do personagem no primeiro jogo”; “é perfeito, porém, desnecessariamente detalhista e atrapalha o fluxo do jogo”; “é um jogo ótimo, porém, infelizmente a dificuldade não é equiparável a outros jogos do gênero”.

É natural que tenhamos essas reações e saudável que continuemos a tê-las, mas também é ideal que tenhamos a preocupação de entender que certas particularidades e estranhamentos são necessários para trazer uma experiência mais completa e diferenciada para o mundo dos videogames. Entretanto, num universo de triple A indisposto a falhar diante um exército de jogadores mimados, como o mercado de videogames vai arriscar novas experiências?

A resposta é: jogos indies.

                Jogos indies que fizeram sucesso carregaram uma grande obrigação durante seu desenvolvimento: fazer algo novo e pessoal, portanto, diferenciado. É difícil encontrar um grande acerto na indústria indie cujo desenvolvedores tenham pensado de forma profunda e estratégica atrair a maior quantidade de jogadores possíveis, como um jogo triple A tenta fazer. Eles conquistaram a visibilidade através da sinceridade de seus desenvolvedores em fazer algo que eles realmente gostariam de ver pronto, pensando mais no quesito artístico do que no dinheiro (afinal, esses desenvolvedores não estavam na posição de uma grande empresa).

                Por isso, um jogador mais sensibilizado, não peca em afirmar que jogos indies têm mais “alma” (isto quer dizer: feito na raça, perseguindo um sonho de milhões que pouquíssimos alcançam). Isso resultou em muitas obras de arte dignas de serem exploradas.

                Alguns jogos indies me conquistaram profundamente e alguns já tiveram espaço próprio neste blog (Celeste, Hollow Knight, Jusant, Coccon, Dead Cells), outros merecem e ainda terão essa admiração de minha parte. Nessa postagem trago cinco jogos indies (por enquanto) zerados na última década, obras que me marcaram e que indico por valerem a proposta e experiência.

Deem chance a jogos indies.

 

Eastward

                Em um mundo com viés apocalíptico, conhecemos John, um homem solitário que trabalha numa mina e que, apesar disto, tem grande talento para a cozinha. Durante seu trabalho, John escava uma garotinha chamada Sam. A dupla vive em uma sociedade subterrânea, pois todos acreditam que o andar superior foi consumido por uma substância denominada miasma. 


 

                Neste mundo, muitas gerações se passaram desde a aparição do miasma e a população vive o mito da caverna, nascendo e morrendo no mesmo lugar. Acreditar na vida acima do subsolo é loucura e mexer com o que está quieto resulta em punição. John praticamente não se socializa, ele aguarda, assim como qualquer outro escavador da mina, sua passagem veloz pelo mundo, enquanto Sam é seu extremo oposto, é animada, gosta de conversar e adora ter ideias. É numa dessas ideias e por causa das pequenas e raras intromissões do sol no subsolo, que Sam acredita que a superfície não é inabitável, muito pelo contrário, a superfície é linda e cheia de vida. Dominada pelo espírito da exploração e pela esperança de estar certa, Sam resolve fugir para a superfície e John, temendo perder o vínculo mais especial de sua existência, sobe atrás dela. Assim começa a jornada de John e Sam em busca de respostas sobre o mundo e seu atual estado. O vínculo entre os dois proporciona motivação ao jogo e carrega tênues mensagens sobre paternidade e aceitação. Durante a viagem, outros NPCs vão se aliar à causa da dupla e novas esperanças serão construídas.


                Eastward é lindo, artisticamente e sentimentalmente falando. Sua arte é inspirada em desenhos das décadas de 1980-1990, com uma ambientação cheia de detalhes e muito bem construída. Ele lembra a jogabilidade da série The Legend of Zelda dos portáteis (Minish Cap, principalmente), com masmorras cheias de passagens obstruídas, onde o jogador precisa explorar a região para abrir caminho e, ao final enfrenta um chefão (criaturas medonhas envolvidas pelo miasma). 


 

                O jogo ainda oferece bastante mecânicas. O jogador consegue alternar entre John e Sam como personagens jogáveis e muitos puzzles envolvem a sinergia entre os dois. John é capaz de ferir inimigos usando uma panela e Sam, em algum momento, é capaz de disparar uma energia capaz de dissipar o miasma. O jogo possui um sistema de cooking: você coleta itens espalhados pelo mundo e prepara pratos com a intenção de recuperar pontos de vida (os clássicos pedaços de coração de Zelda) ou energia, lembrando bastante a mecânica de cozimento de Breath of Wild. Conforme você descobre novos pratos, eles são adicionados em seu cardápio, para que você não esqueça dos materiais usados para fabricá-los.

Death’s Door

                Você é mais um corvo de uma sociedade de corvos ceifadores responsáveis por coletar almas para a Sede da Comissão de Colheita, um tipo de organização burocrática que trata da vida após a morte. Ninguém pode ser imortal.

                Depois de chegar atrasado ao seu ofício, você é imediatamente recrutado para coletar a alma de um monstro que rejeita a própria morte: um tipo de criatura planta gigante enfrentada na primeira meia hora de jogo e que tem a intenção de criar afinidade entre o jogador e o estilo de jogo (bate, rola para se esquivar, bate de novo, se afasta na hora certa para evitar um dano massivo e encontra uma nova oportunidade para se aproximar, por isso muitos retratam esse jogo como metade soulslike).


                Após derrotar o primeiro chefão, um corvo grande e velho intervém e rouba a alma conquistada. Indo de encontro ao surrupiador, que se tornará uma espécie de “mentor” do protagonista, você descobre que existe uma conspiração responsável pelo desaparecimento de outros corvos e para descobrir sobre esse estranho estratagema, o velho corvo explica que o protagonista deve passar por três masmorras e coletar três almas imortais necessárias para abrir a Porta da Morte.

                Me lembro de passar boas horas jogando Death’s Door sem o interesse de largá-lo para fazer qualquer outra coisa. Esse jogo simplesmente me instigou a seguir adiante, cenário após cenário, sem me importar com a hora e zerei ele com a sensação de ter passado bem menos do que sua duração de, em média, dez horas. Na minha opinião, Death’s Door parece um compilado de mecânicas de alguns jogos clássicos arranjadas de uma forma cativante.


                O jogo é um tipo ação e aventura com algumas mecânicas de soulslike e com visão isométrica (como Diablo, mas a câmera mais próxima). Está cheio de puzzles que são realmente divertidos de fazer, longe de passar a sensação maçante que alguns jogos de quebra-cabeça passam. Existe um tipo de mundo que interliga as três masmorras e você deve desbravá-lo para abrir caminho usando itens e capacidades adquiridas nas masmorras (lembrando bastante os jogos antigos de Zelda). Talvez seja apenas uma impressão, mas me recordo de alguns chefões me darem a sensação da mecânica de enfrentamento similar aos jogos de Crash Bandicoot, saltando entre plataformas até o inimigo abrir uma brecha de contra-ataque.


                A última luta deste jogo é memorável. Você se sente uma criatura minúscula despreparada para enfrentar o inimigo final, até que pelo estudo de seus movimentos, consegue saber exatamente como e quando o atacar, até lá, haja reflexo para desviar da saraivada de investidas danosas. Death’s Door também tem um ótimo plot twist. Caso o jogador se interesse pelo enredo, ele se satisfará com os resultados. Ele está disponível como jogo na Netflix.

Itorah

                Na pele de uma protagonista humana sem nome e sem memórias, você acorda num mundo habitado por seres que se assemelham a animais e descobre ser a última de sua raça. Em busca de respostas sobre si mesma, ela encontra um machado falante (e bigodudo), também com amnésia, mas que tem certeza de que foi um grande guerreiro em vida e que logo se torna a arma da protagonista. Juntos, a dupla conhece Ahui, uma exploradora que parece um lêmure e que topa nos encaminhar pela jornada e pela história de um mundo baseado na cultura da América Central. Para termos uma luz sobre o acontecido devemos, então, procurar por Dahlia, a guardiã da árvore do mundo e ao mesmo tempo tentar conter um tipo de praga que está se espalhando e contaminando a natureza da região.


                A ambientação de Itorah é fantástica, parece uma pintura. Em diversos cenários observamos ruínas que se assemelham às da antiga civilização asteca, com pirâmides de pedra tingidas de musgo, habitantes com máscaras, vestimentas e adornos feitos de plumas, além da fauna e da flora verdejante de uma selva fechada e inexplorada. Outras referências à cultura asteca é o aparecimento de Quetzalcoatl, a serpente emplumada e a própria Dahlia (referência à dália, um tipo de flor encontrada na região).

                Itorah é um metroidvania simples. Idas e voltas são comuns, porém, pouquíssimas vezes fiquei perdido sem saber o que fazer ou para onde ir e, nessas raras vezes, nada que uma exploração rápida não tenha ajudado na minha dedução do caminho. O jogo, entretanto, peca em um aspecto que muitos metroidvanias famosos costumam não pecar: a jogabilidade. Diferente de outros jogos do gênero, Itorah possui uma movimentação e estilo de combate lento: nossa protagonista usa uma arma pesada que parece dar lógica a esse fator, porém, é difícil se acostumar caso você seja um jogador acostumado com a velocidade de movimento e ataque da maioria dos metroidvanias baseados em armas de combate corpo a corpo (como Hollow Knight).


 

                Algumas vezes me senti frustrado com a mecânica de se pendurar em obstáculos, se balançar e aproveitar o efeito pêndulo para alcançar mais longe. O jogo exige precisão na hora de prender seu machado em um pino, porém, este é um jogo que você não pode confiar na precisão de seus movimentos e sim na antecipação de ataques. A maioria dos metroidvanias apelam para esse tipo de movimentação e agilidade, porém, funcionam de forma suave e dinâmica (como Ori and the Blind Forest).

                Apesar dessas questões, Itorah é um ótimo jogo de intervalo. Curto (cerca de oito horas de jogatina) e despreocupado. Me lembro que ele revitalizou a minha vontade de jogar metroidvanias, talvez, possa lhe inspirar a tentar mais jogos desse estilo.

Jet Kave Adventure

                Nos anos 1990, jogos de plataforma dominavam, hoje, mais deixados de lado e com poucos títulos para fazer o nome, ainda assim conseguem ser divertidos fazendo praticamente o mesmo: ande para direita, salte entre plataformas e alcance o final da fase. Assim é Jet Kave Adventure, um joguinho curto e muito barato que vai lhe proporcionar algumas horas de jogabilidade fluida e muito gostosa.


 

                Você é um homem das cavernas buliçoso que vive em uma Terra pré-histórica invadida por alienígenas. O protagonista se depara com um objeto tecnológico desses invasores: um jetpack, um tipo de mochila com hélices e turbos que lhe faz saltar mais alto, planar e quebrar obstáculos na força do impacto. Usando a arma do inimigo, o homem das cavernas lutará, do modo que sabe, contra a invasão de suas terras.

                Jet Kave Adventure não é novidade, mas é uma possibilidade rara em um mundo onde jogos de plataforma estão pouco frequentes. O jogador vai encontrar estímulo para continuar a jogar Jet Kave porque este é um jogo que você salta de fase em fase sem enfrentar dificuldades frustrantes, apenas com o intuito de fazer ser divertido.


 

                Em muitos aspectos ele lembra a série Donkey Kong Country. Você precisa dar saltos precisos, evitar morrer de quedas, subir em cipós e alimentar seu jetpack com baterias para usar o motor a propulsão para planar por breves momentos (e alcançar plataformas mais distantes tanto verticalmente quanto horizontalmente). É o tipo de jogo que você olha para a tela e já sabe exatamente o que fazer: deslizar quase que inconscientemente entre os botões do controle e responder de forma ágil aos obstáculos do jogo.

                Jogo de uma tarde (cerca de quatro horas).

Oxenfree 2: Lost Signals

                Oxenfree 2 é um jogo de narrativa e um tipo de experiência fora da caixinha que algum jogador mais cansado dos gêneros típicos pode se deixar levar muito facilmente. É uma aventura de mistério sobrenatural que envolve a comunicação de uma personagem muito bem desenvolvida com outros personagens cheios de motivações e dúvidas. 


 

                Na pele de Riley, uma mulher adulta, por volta de 30 anos, que retorna à sua cidade natal, Camena, em busca de um emprego e de uma fuga de eventos ocorridos em seu passado envolvendo a perda de um filho, o jogador perambula por uma região montanhosa que recebe recorrentes visitas de aventureiros em busca de trilhas e harmonia com a natureza, mas que está intrinsecamente ligada a um passado obscuro que pode ser contactado através das ondas de rádio. É difícil explicar o que se passa em Oxenfree sem spoiler (e eu não vou submeter o leitor a isso), por isso vou me reservar a dizer que o jogo é sobre um mistério muito bem desenvolvido que se desenrola a partir de diálogos e deduções. 


 

Oxenfree 2 não possui muitas mecânicas. Você possui um mapa da ilha montanhosa e vários caminhos traçados no cenário. Você se encontra com alguns poucos personagens (porém, todos importantes) e através de diálogos que vão ocorrendo conforme suas andanças, você tanto vai desenvolvendo seu próprio comportamento, como conhecendo o comportamento dos outros. Em um ambiente totalmente bucólico, as interações vão ficando cada vez mais íntimas e revelações sobre o passado dos personagens vão sendo contadas sem a necessidade de flashbacks. Ali, todos parecem estar presos ao passado, de alguma forma.

Após o primeiro evento sobrenatural, o jogador então decide explorar os lugares remotos da ilha e desbrava montanhas, bosques e cavernas, porém, estes cenários não envolvem desafios: não há desafios de plataforma, não há combates, nem sequer há puzzles constantes, apenas diálogos, surpresas e deduções. O que mais próximo se parece com mecânica são os momentos em que o jogador precisa sintonizar à estação de rádio correta para dissipar os efeitos de brechas atemporais espalhadas pelo jogo.


 

                Por mais estranheza que essa sinopse possa ter causado, Oxenfree 2 foi, para mim, uma experiência nova. O enredo é cativante. O jogador se importa com o que vai falar, se importa se aquilo vai tocar amargamente a ferida no coração de um NPC ou se é mesmo necessário ter aquela conversa difícil. Aos poucos, como se estivéssemos acompanhando uma série televisiva, os personagens vão ganhando nossa simpatia e, de alguma forma (dependendo do tipo de jogador que você é e das perguntas e respostas que irá dar) aquelas interações se tornam importantes para você.

                Oxenfree 2: Lost Signals tem vários finais. O poder de suas decisões nos diálogos constantes com NPCs resulta em várias possibilidades e, como era de se esperar, uma escolha difícil deverá ser feita ao final de tudo. Deveria haver mais experiências como a que Oxenfree proporciona. Ele é mais um jogo disponível na Netflix.

 

 

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