Joker
nasceu para contrariar o mundo e, com isso, a vontade divina, seja de que lado
for e isso o torna intrinsecamente humano.
Persona é uma série que me
permitir demorar a degustar. Ela me chamou atenção desde a época do PS2, quando
ouvi falar sobre a primeira vez (embora o primeiro título tenha saído no PS1,
em 1996). Eu sabia que esse jogo exigiria foco e uma imersão que poucos jogos
exigem, afinal, sabia de onde a série derivava: a tão antiga Digital Devil
Saga, ou melhor dizendo, Shin Megami Tensei (que teve seu primeiro título
lançado em 1987).
Shin
Megami Tensei é um jogo cabuloso, não somente pela dificuldade, mas pela ideia:
é um jogo sobre captura de monstros ou, melhor dizendo, sobre pactos com
criaturas. Você as enfrenta, escolhe executá-las ou inicia uma barganha para
que elas passem a formar parte do seu time. Não é o tipo de jogo que se
popularizou pela temática, mas encontrou uma seleta legião de fãs a ponto de
existir até os dias atuais.
Persona
é uma série derivada de Shin Megami Tensei, se passando numa era contemporânea
e acompanhando a vida de adolescentes em período escolar. Demônios ainda existem,
mas você não os captura (pelo menos não da forma habitual). Ao invés disso o
jogo nos apresenta um protagonista, sempre escolhido para realizar algo muito
grande, e um grupo de personagens com a dádiva de contactar o outro mundo, um
multiverso formado por coisas estranhas e energias excêntricas. A série vai
lembrar bastante ideias lançadas em muitos animes e mangás shonen, mas se
valerá de uma profundidade escondida entrelinhas e um jogador com conhecimento
e percepção mais apurados conseguirá destacar essas influências.
Após
se intrometer nos negócios de um figurão (mesmo sem saber diretamente), Joker,
nosso protagonista (na verdade, o personagem principal carrega o nome que danos
a ele; Joker passará a ser seu título devido a circunstâncias do jogo) é condenado
e transferido para a Academia Shujin sob liberdade condicional. A simples
existência dele, como figura misteriosa no colégio, levanta suspeita na maioria
e reestruturar a própria vida passa a atrair uma certa dificuldade para nosso
protagonista.
Sojiro
Sakura, um senhor de idade dono de um café, é, até então, o único que sem
motivo aparente além da própria empatia, aceita Joker em seu estabelecimento,
demonstrando uma confiança que até mesmo nós jogadores desconfiamos. Os dias na
Academia Shujin se passam e a gente acompanha isso através de um calendário.
O calendário é um elemento
crucial na série Persona. Jogos da série normalmente ocorrem dentro do período
de um ano escolar e, dia após dia, além de acompanhar o drama vivido por ser o
protagonista, o jogador também precisa administrar sua vida, isto quer dizer
estudar, conhecer amigos, conhecer lugares ou até realizar pequenas conquistas
de aprendizados que são recompensadas em jogo, como aprender a fazer um café, sair
para lavar a roupa na lavanderia, ir a um bar ou loja de jogos, jardinagem,
ouvir música etc. etc.
É interessante ver como essa
estreita relevância do jogo com essas rotinas fazem com que um adepto jogador
de Persona passe a jamais desprezar ou não priorizar esses conhecimentos em vida.
Acompanhando toda essa sequência doméstica e vendo o que você pode conseguir
com o esforço é gratificante (no jogo e em vida).
Não
demora muito para que Joker finalmente consiga fazer uma amizade. Ryuji
Sakatomo é aquele adolescente com personalidade forte, teimoso e despreocupado,
superficialmente raso, porém, com um coração incapaz de aguentar injustiças. É isto
que o leva para perto do destino de Joker. Seu arcano é a Carruagem.
O arcano é outro elemento
importante na série Persona. Cada personagem que você cria um vínculo tem um
arcano associado, isto é representado por uma carta de tarot. O arcano reflete a
personalidade do seu aliado. A carruagem, por exemplo simboliza um ser que
deseja ser o dono de seu próprio destino e tomar as rédeas da situação rumo à
vitória. Essa é a natureza de Ryuji.
Ryuji
acaba de ser expulso do clube de atletismo. Ele está claramente chateado por
isso, mas não se arrepende do que fez. Ryuji não está de acordo com o método de
ensino do professor de educação física da academia, o senhor Kamoshida, e
pretende levantar provas em relação à judiação e perversão do instrutor. Joker
acaba embarcando nessa.
Durante uma investigação noturna,
Joker e Ryuji retornam para a Academia Shouji e, após um tipo de cataclisma
sombrio, são transportados para um multiverso estranho. Um tipo de prisão
vigiada por criaturas amorfas denominadas sombras. A dupla só consegue escapar
com a ajuda de Morgana que é, literalmente, um gato. Nesse metaverso, Morgana é
capaz de controlar poderes devido à sua Persona e ela identifica que a dupla
não pertence àquele lugar.
Enquanto escapam da prisão sombria,
Joker e Ryuji descobrem que esse lugar é fruto dos desejos e vontades perversos
do professor Kamoshida. Ele é o governador do lugar, um pretensioso e
egocêntrico rei com coroa, manto da realeza e cueca (!) é a primeira vez que
somos apresentados à versão sombra de um dos vilões do jogo. A sombra
representa o poder motivado pelo pecado e vaidade daqueles que desejam controlar
tudo ao seu redor. Neste mundo, Kamoshida faz das sombras dos meninos de sua
sala de atletismo como escravos e as meninas como putinhas.
Para
escapar da prisão após serem notados, Joker desperta sua Persona. Esta é uma
cena marcante da série. O vínculo com a Persona se mostra através de uma máscara
negra que é visualmente arrancada do rosto do protagonista como quem arranca a
própria pele, daí, Joker invoca seu primeiro demônio: Arsène, um tipo de
humanoide ave de rapina com cartola e longas asas de corvo e com os poderes
somados ao de Morgana consegue sair do metaverso.
No dia posterior, Joker e Ryuji
acordam, em suas camas, sem saber como chegaram lá, mas as memórias da última
noite se mantêm. Morgana (na forma de um gato preto capaz de se comunicar)
aparece para Joker e explica tudo sobre o acontecido: o mundo está mergulhando
nos desejos egoístas dos poderosos, despertando a ira divina e o próprio Deus
lamenta a ideia do livre arbítrio.
Agora,
Joker e Ryuji sabem do que Kamoshida é capaz, porém não têm provas concretas e
reais para provar. Ryuji tenta convencer uma menina do clube de atletismo a
confessar sobre as perversões do professor, mas esta não parece ter coragem
para isso. O jogo nos explica sobre isso de forma genial, colocando o desejo de
Kamoshida como superior, capaz de sugar a vontade e a coragem de suas vítimas
(assim como ocorre em qualquer relação tóxica humana).
Morgana explica que é possível
revisitar o metaverso de Kamoshida e tentar derrotá-lo lá e que fazer isso
poderá solucionar o problema. O próprio Kamoshida não sabe da existência de seu
próprio metaverso, mas reconhece que em vida ele é poderoso e influente, que o
êxito em termos de resultados que ele vem trazendo para Academia Shoujin faz
dele o professor mais significante lá. Acabar com a sombra de Kamoshida irá
destronar esse ego no vilão.
Joker
e Ryuji pretendem fazer alguma coisa para deter isso, então, um desastre
acontece...
O
contado anteriormente não é nem 1% do que o jogo nos oferece e a trama vai se
desenrolando de uma forma a interligar com a própria existência do
protagonista. Joker é especial. Enquanto todos os demais personagens da equipe que
serão recrutados são vinculados a um arcano apenas, o protagonista tem a
capacidade de alternar seu próprio Persona, barganhar com outros e forjar
alianças para invocar demônios específicos posteriormente.
O sistema de barganha no qual
apenas Joker é capaz de efetivar é essencial para o jogo. O protagonista é o
único indivíduo multifacetado da equipe. Assim como em Megami Tensei, aqui,
Joker é capaz de enfrentar os demônios que aparecem nesses metaversos e
recrutá-los para sua lista de personas. Cada demônio possui uma lista de
poderes específicos, vantagens e fraquezas que são compartilhadas com Joker
quando invocados. Joker é a carta coringa.
Achei
importante explicar toda essa prévia sobre os primeiros trinta minutos do jogo,
pois Persona 5 Royal não é um game superficial, no qual o jogador aprende o que
precisa fazer até o fim do jogo nas primeiras cenas de combate. É muito difícil
explicar o quão a série é gigante não somente em termos de mecânica, mas também
na questão filosófica que, a meu ver, é o que realmente prende o jogador à
história. Isso acaba requerendo bastante leitura, mas uma leitura envolvente e
recompensadora minuto a minuto.
Basicamente, a equipe liderada
por Joker é motivada a lidar contra os desejos perversos dessas sombras
poderosas e passam a levar o ofício a sério. Os próprios passam a se autointitular
Phantom Thieves (os ladrões fantasmas) e entendem que com seus serviços, eles
podem mudar o mundo, porém, até mesmo esse desejo genuinamente bondoso é
questionado no jogo, despertando conceitos que quase nenhum jogo que já joguei na
vida foi capaz de transmitir.
Alguns
arcanos (vínculos pessoais que o protagonista cria) não farão parte diretamente
dos Phantom Thieves, mas manter a social link (aumentar o vínculo de amizade é
uma meta crucial dentro do jogo) influenciará no poder dos demônios que Joker
recrutará. Quanto mais vivência você possui um arcano, maior o seu nível de
interação.
Outro
elemento importante que o jogador deve administrar são suas próprias estatísticas:
Intelecto, Charme, Coragem, Bondade e Proficiência. Estas serão importantes no
decorrer do jogo. Por exemplo, você precisa de Intelecto alto para responder um
questionário corretamente, seu Charme precisa ter certo nível para que você
consiga chamar a atenção de algum personagem específico ou sua Proficiência é
necessária para que você conserte itens no jogo.
Para aumentar essas estatísticas,
Joker precisa realizar tarefas diárias: participar ativamente das aulas, paquerar
no parque, ajudar alguém necessitado, ler um livro ou mesmo jogar videogame.
Certas opções apenas ficarão destravadas caso você alcance certo nível em uma
dessas estatísticas.
Em
Persona 5 é possível começar relacionamento romântico com um dos arcanos. Esse
vínculo romântico precisa ser construído pacientemente e muitas vezes tem
requisito. Eu, por exemplo, escolhi Makoto, uma garota esforçada e estudiosa, como
parceira e para chamar a atenção desta, meu Intelecto deve alcançar nível 5.
Para outras personagens, outros requisitos serão aplicados. O relacionamento
não só gera cenas bonitinhas de romance, como também aumenta sua sinergia com a
membra da equipe (no último combate do jogo, ter Makoto na minha equipe foi
essencial).
Persona
5 Royal é um jogo longo. Um jogo bastante longo. É um JRPG baseado em turnos,
mas provavelmente vai agradar mesmo aqueles desacostumados com o gênero. Tudo
no jogo é muito rápido e cheio de estilo. Este game possui um menu descomplicado,
sem a necessidade do uso das setas, mas sim de botões de ativação rápida.
Possui um estilo gráfico absurdamente lindo (eu nunca pensei que um simples
menu poderia chamar tanta atenção).
Diferente de outros jogos de RPG
aqui você deverá administrar o seu tempo (o seu calendário), mas dificilmente
vai se preocupar tanto com acúmulo de números para jogadas de ataque e dano.
Apesar de alternar no uso de armas e equipamentos, tudo se baseia em uma
compreensão rápida e lógica e administrar isso é propositalmente uma atividade
secundária. Tudo para incluir um fluxo de ação e reação veloz.
A
série Persona destronou recentemente a minha outra série favorita no mundo dos
games: Final Fantasy. Digo isso tendo zerado apenas dois volumes da série (além
de Persona 5 Royal, também me encantei com Persona 3 Reload). Eu fico
completamente imerso na ideia proposta desta série e, em minha experiência, eu
jamais refleti demais sobre um game quanto Persona. É um jogo que provavelmente
você vai zerar e passar dias mastigando o assunto e colocando a excelente
trilha sonora para tocar enquanto trabalha
Nota pessoal: 10/10
Duração: 120h+
% Repeteco: 50%
% Recomendação: 100%
Originalidade: rara
Público: quem aprecia anime e mangá; jogos cheios de estilos e com trilha sonora cativante; quem curte jogos longos com muita imersão.