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The Legend of Zelda: Breath of Wild é a quinta-essência dos jogos de mundo aberto

 


                Quando o primeiro jogo da série The Legend of Zelda foi lançado em 1986, Shigeru Miyamoto punha em prática o desejo de elaborar um jogo de mundo aberto onde todos os caminhos seriam possíveis e a exploração seria parte do desafio. No controle de Link, o jogador não tinha mais informações sobre sua missão além de saber que devia salvar a princesa Zelda. Como era prática dos jogos das primeiras gerações de videogame, você se virava para explorar o mundo por si só e entender para que cada botão do controle servia, no máximo você lia o manual que sempre vinha com a mídia física (bons tempos) e que resumia a mecânica simples e limitada, única possível em eras passadas.

                Shigeru Miyamoto queria traduzir em um jogo de 8bits a sensação que ele mesmo tivera quando criança enquanto explorava o bosque próximo da casa de seus pais, onde ele podia brincar e usar a imaginação para se tornar um herói corajoso, com sua espada, pronto para enfrentar os monstros que ameaçavam seu reino. E The Legend of Zelda não somente começou isso, como evoluiu esse conceito em Ocarina of Time e transcendeu no aclamadíssimo Breath of Wild.

                The Legend of Zelda: Breath of Wild é o jogo que magnifica e dá um sentido real à exploração no gameplay, tornando-a tão irresistível quanto infalível. Após a primeira meia-hora de jogo, após conseguir o paraglider, subir a torre mais alta, saltar e então flutuar de asa-delta para alcançar aquele pequeno ponto lá no longínquo horizonte do jogo, meramente porque você teve a curiosidade de saber o que tem lá, o jogador tem o seu primeiro impacto validado. Breath of Wild, entretanto, consegue reservar muito mais do que isso: em toda a minha jogatina, não me lembro de ter feito uma viagem para um lugar muito distante no mapa na qual eu tenha me arrependido. Sempre há algo para curiar, sempre há algo para coletar, para desafiar a existência do jogo.

                O fator exploração é totalmente focado em atrair o jogador para se perder por horas de jogatina. Quanto mais remoto, mais nula é a presença de trilha sonora e mais audível e consistente são os efeitos sonoros da natureza que o acerca, um chamado selvagem épico das folhas farfalhando com o vento, o fluxo da água escorrendo pelo rio raso e a fogueira crepitando num jogo de sombras sublime.

Você se torna um desbravador. Encara a montanha ao norte e se pergunta se poderia escalá-la, então descobre que pode. Enxerga as nuvens tempestuosas num arranha-céu e descobre que pode alcançá-las. Lá em cima, nota um dragão colossal envolto de relâmpagos, salta de asa-delta e descobre que pode tocá-lo. Tudo em Breath of Wild é movido pela sua curiosidade e pela sua decisão. Desde o momento em que você tem controle total sobre seus pés, você pode decidir ir de encontro à luta final ou pode escolher fortalecer-se para aumentar significativamente suas chances.

Não por menos este é um dos jogos mais premiados da indústria e fico feliz que a Nintendo ainda tenha cartas na manga para desafiar mecânicas que se tornaram tão clássicas devido aos antigos jogos da série. The Legend of Zelda (1986) inventou, Ocarina of Time (1998) definiu e Breath of Wild (2017) transcendeu, tornando-se um modelo (assim como os citados tornaram-se anteriormente) para a maioria dos jogos lançados e a serem lançados e que flertem com a ideia de mundo dedicado a explorações realmente profundas e satisfatórias.

 


A variação extraordinária dos desafios nos santuários

                Sou um grande fã da série The Legend of Zelda desde (quase) os primórdios. Me lembro que na infância eu precisei passar de ano na escola com louvor para que meus pais se compadecessem do meu pedido e comprassem o A link to the past do SNES (acho que foi o único cartucho de SNES que eu tive que foi comprado da loja). Com o jogo em mãos, eu logo entendi como ele funciona: explorar um mundo em busca de masmorras lotadas de quebra-cabeças que iam ficando cada vez mais longos e complexos conforme chegava ao destino de enfrentar Ganon.

                Todos os demais títulos da série seguiram essa mecânica. Havia um mundo a ser explorado, havia muita coisa para fazer, porém, mal se imaginava que o fator liberdade ainda era um percalço. Na época, nem se imaginava existir um jogo que seria capaz de romper esse ciclo, afinal, clássicos como A link to the past e Windwaker mostravam que o sistema funcionava bastante, então veio Breath of Wild.

                As múltiplas masmorras obrigatórias foram deixadas de lado, mas os santuários chegaram para incentivar o público satisfeito com os puzzles típicos da série... e esses quebra-cabeças se tornaram ainda melhores com a integração de mecânicas como o controle de movimento, onde usamos o giroscópio dos joycons do Switch tanto para mirar, quanto para mover certos objetos, ou o aprofundado sistema de física, que é uma das qualidades mais citadas de Breath of Wild.

                O desafio dos santuários algumas vezes requer paciência para solucionar puzzles usando a física do jogo, outras vezes é um desafio de combate único e fatal e outras vezes, apenas o mero fato da exploração que antecipou o encontro com o santuário já o faz conquistador da jornada. Eles contemplam totalmente o que os antigos jogos da série faziam com suas masmorras, mas expandindo o conceito para tornar a exploração do jogo ainda mais vigente.


 

A sensação legítima de um mochileiro e o sabor de uma vida bucólica

                Eu, particularmente, sempre tive anseio por livros e filmes que abordam o contato com a natureza, muito mais além do que se espera de uma obra que encaixa o personagem em florestas ou ambientes selvagens brutais, mas sim a questão da solidão bucólica, como as apresentadas em filmes como Livre (2014) e Na natureza selvagem (2007) ou em livros como O chamado selvagem (Jack London) e Butcher’s Crossing (John Williams). 

                Breath of Wild não possui grandes metrópoles propositalmente. Você não vai encontrar uma multidão de NPCs sem disponibilidade para diálogo, no lugar disso, o jogo oferece a cada esquina uma surpresa. Seja no desafio de encontrar todos os santuários, seja deduzindo o local do esconderijo de um korok, seja pilhando matéria-prima para fabricar comida e poções, o jogador inevitavelmente vai estar engajado em algo e, na maioria das vezes, ele se sentirá livre para vasculhar o que ele quer no momento. Por isso, o teor bucólico é tão importante neste jogo, para introduzir o jogador a uma imersão que não será encontrada em qualquer outra experiência nos videogames.

                Para respirar tudo que The Legend of Zelda: Breath of Wild pode oferecer, eu aconselho que o jogador jogue sozinho. Se tiver tempo e disponibilidade, que mergulhe no silêncio da trilha sonora bucólica com um bom fone de ouvido e se permita viver pela imersão, pois o resultado será muito mais engrandecedor.

 

 

 

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